Por um socialismo do século 21
Ricardo Coutinho (*)
A crise dos Estados nacionais provocada pela aceleração da globalização financeira está produzindo abalos sísmicos no funcionamento das democracias, sejam elas jovens ou maduras. Na ciência política fala-se, há já algum tempo, que estaríamos vivendo uma “ruptura entre representantes e representados”, na qual os cidadãos já não se veem representados pelos partidos políticos tradicionais, de esquerda ou direita, pois eles não conseguem mais dar respostas aos problemas de um mundo em constante transformação e prenhe de incertezas. Uma pesquisa recente, de 2017, indicou que hoje, nada menos que 94% dos brasileiros não acreditam nos partidos políticos e que apenas metade da população considera a democracia o melhor regime para o país.
Por isso, em todo o mundo, vem crescendo uma tentação “populista”, com o surgimento de candidatos messiânicos e autoritários que exploram a sensação de orfandade do eleitorado e ameaçam a democracia. O Partido Socialista Brasileiro (PSB) é um dos mais antigos do país. Foi fundado em 1947, em um clima marcado pela derrota do nazifascismo no plano externo e pela reconquista da democracia, internamente. Em sua trajetória, o partido sempre se pautou pela defesa de uma sociedade mais justa e solidária, a ser conquistada pela via democrática, e também pela necessidade de se adequar às mudanças da sociedade contemporânea. Em consonância com esses compromissos, o PSB está iniciando um processo de autorreforma para adequar a organização aos tempos (pós) modernos, atualizando a agenda política, sem, contudo, perder a generosidade civilizatória que só o socialismo democrático é capaz de promover.
A autorreforma se assenta em três pilares: a atualização do programa partidário; a atualização da política internacional e a estruturação da comunicação digital em rede. Em relação ao primeiro pilar, precisamos discutir profundamente as transformações do capitalismo nas últimas décadas e as implicações que isso traz para uma política progressista eficaz. Sobre a política externa, temos que nos reposicionar sobre uma série de questões, deixando para trás os tempos da Guerra Fria. Recentemente, o PSB oficializou o ingresso na Aliança Progressista, entidade internacional que reúne partidos socialistas e social-democratas, como o Partido Socialista Obrero Español (PSOE); o Partido Socialista Português (PSP); os socialistas chilenos e a Frente Ampla do Uruguai, entre outros.
No que diz respeito à comunicação digital, não há como negar a potente influência que esta produz no Brasil e no mundo. Desde a primavera árabe, passando pelo Brexit e pelas últimas eleições no Brasil, seus rastros são inconfundíveis. A velocidade com que informações são propagadas, a negociação de dados dos internautas e a capacidade de aglutinar grupos antes dispersos, faz com que este seja um fator fundamental para que compreendamos o estado da arte da política mundial.
A autorreforma será um processo amplo de debate nacional, interno e externo ao PSB – ou seja, não filiados poderão participar –, que pretende contribuir para superar a profunda crise por que passa o sistema político-partidário brasileiro e, por consequência, a nossa democracia representativa. Como afirmou o presidente do PSB, Carlos Siqueira, se não tivermos uma renovação do nosso ordenamento político-partidário, corremos o risco de chegar em 2022 a uma situação ainda mais grave, em que a disfunção atual poderá evoluir para um colapso de todo o sistema.
A autorreforma do PSB quer a participação ampla da sociedade civil organizada. Não queremos fazer uma reforma cosmética, marqueteira ou de cúpula, que mude apenas o nome ou os símbolos do partido, ou pior, que elimine suas referências históricas. Partidos de esquerda que fizeram essa opção macularam sua alma e se tornaram agremiações centristas ou de centro-direita. Temos muito orgulho de ser o Partido Socialista Brasileiro, e queremos sintonizá-lo com os grandes desafios do século 21.
Afinal, como dizia o teórico italiano Antonio Gramsci, “o desafio da modernidade é viver sem ilusões, mas também sem desiludir-se”.
(*) Presidente da Fundação João Mangabeira e ex-governador da Paraíba.