Pense Brasil: ex-ministros da Ciência e Tecnologia tratam sobre os desafios e dilemas da ciência frente à pandemia
Com o tema “Pandemia: Funções, Desafios e Dilemas da Ciência”, a Fundação João Mangabeira (FJM), do PSB, realizou nesta segunda-feira, 4 de maio, a quinta edição do Pense Brasil Virtual. O debate online contou com as participações do cientista político, jornalista e escritor Roberto Amaral, que foi ministro da Ciência e Tecnologia de 2003 a 2005, e de Sérgio Machado Rezende, que também foi ministro da Ciência e Tecnologia de 2005 a 2010, além de engenheiro Eletrônico, doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), e professor titular no Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco. O evento teve a mediação do presidente da FJM, Ricardo Coutinho e foi transmitido via Facebook, Youtube, Instagram e pelo portal da FJM.
A Ciência no Brasil hoje
Sergio Machado Rezende iniciou sua participação ao falar sobre os estudos da ciência a partir do século XIX, até chegar ao início dos programas de pós-graduação para estudos científicos, iniciados nos Estados Unidos e que fizeram o país se tornar potência científica e tecnológica. Rezende lembrou que a pesquisa básica é financiada pelo Estado e ressaltou que vivemos no Brasil uma crise da ciência desde o governo Temer, com paulatinas reduções de recursos, até chegarmos ao desastre que vivemos hoje sob o governo Bolsonaro. “Em julho do ano passado o CNPq anunciou abertamente que não teria recursos para pagar as 80 mil bolsas de pós-graduação, iniciação científica e pesquisas até o final do ano. A comunidade científica fez uma mobilização junto ao Congresso e conseguiu que fosse aumentado o financiamento do CNPq”.
Sobre as atitudes do presidente frente à pandemia, o ex-ministro aponta os sucessivos erros: “Todos os conselhos de cientistas são absolutamente ignorados, e tudo o que ele disse a respeito da pandemia está errado. Os números de casos e mortes estão aumentando e ele, que proferiu frases ridículas como ‘isso é só uma gripezinha’, agora diz que os casos estão crescendo mesmo com as medidas de confinamento. Ele só não olhou os gráficos produzidos a partir de estudos científicos, que mostram que se não houvesse essas medidas, a situação estaria muito mais trágica”.
Roberto Amaral saudou Sergio Machado Rezende e o presidente da FJM Ricardo Coutinho, salientando que Coutinho, como todo o quadro da esquerda, tem sofrido um massacre político. “Pedimos que você resista, não se deixe acabrunhar”. Amaral lembrou que a questão que vivemos hoje, mais que científica, sanitária, médica, econômica, é política. “Estamos enfrentando um projeto de desconstituição do país. Em função desse projeto é que se exerce o desmonte da universidade pública brasileira, o desmonte da pesquisa e o desmonte do conhecimento. Estamos sendo presididos por uma irracionalidade. Uma irracionalidade que, todavia, não é louca, porque está cheia de método”, assinala.
A importância do SUS
“Mesmo com todas suas limitações, as opções dadas pela ciência são as únicas alternativas viáveis”, diz Amaral, e lembra que temos o maior sistema de saúde do mundo, o SUS, em um país formado em sua grande maioria por pobres e miseráveis. “E enquanto o sistema público está em séria crise, ainda existe uma reserva de leitos particulares. Se tivéssemos um governo, deveríamos ter imediatamente uma política de ocupação dessas vagas. Não é possível que não se possa mexer nesse sistema, com seus leitos reservados até mesmo para outras especialidades enquanto hospitais públicos colapsam. Mesmo pessoas que têm acesso à rede privada, muitas vezes não conseguem atendimentos e vão para a rede pública. E, nesses casos, o Estado não é ressarcido”, expõe.
Ricardo Coutinho lembra que essa questão da porta única de entrada na saúde é fundamental. “Até mesmo porque grande parte da alta complexidade, inclusive transplantes, são feitos na rede pública. Pouca gente sabe disso, e os influenciadores, quando sabem, escondem, mas é o SUS que socorre e que dá uma garantia de padrão que esse país – com toda a dificuldade e corte de recursos – ainda tem em relação à sua estrutura de sistema de saúde”.
Sobre o Consórcio Nordeste, Coutinho declarou que já pensava logo após a queda do governo da presidenta Dilma Rousseff em como a região pudesse, por meios jurídicos, recompor a presença da assistência médica nos municípios espalhados pelo Cariri e pelo alto sertão. “Agora o comitê científico fez uma indicação acertada aos governos no sentido de trazer milhares de médicos formados em Cuba, Europa, América do Norte e também aqui da América do Sul”.
Consórcio Nordeste
Sérgio Machado Rezende explicou aos internautas que o Consórcio é uma entidade legal, com CNPJ e criada com base em uma lei de 2004 aprovada no governo do presidente Lula, que prevê que estados diferentes podem criar uma entidade privada e sem fins lucrativos para articular soluções e fazer compras conjuntas. “Os governadores começaram então a se reunir e em novembro fizeram uma viagem à Europa para se reunir com chefes de Estado a fim de apresentar o Nordeste e fazer compras conjuntas. Uma articulação da maior importância, levando em conta que partiu dos próprios estados”, conta. “Quando o Governo Federal se mostrou perdido em meio à pandemia, ainda antes de esta chegar ao Brasil, os governadores do consórcio resolveram então criar um comitê científico que discutiu vários aspectos da Covid-19 e criou nove grupos de trabalho, ou subcomitês, que tratam de atuação em saúde, virologia e epidemiologia, por exemplo. E um de pesquisa e desenvolvimento que é integrado pelos dirigentes das fundações estaduais de apoio à pesquisa do Nordeste”, revelou, destacando que todos os subcomitês fazem reuniões por vídeos e preparam boletins para os governadores. “Já foram seis boletins e em todos eles há a recomendação de confinamento social para o enfrentamento da pandemia”, disse.
Roberto Amaral ressalta que o Consórcio Nordeste é o que há de mais moderno e relevante criado no país. “O Nordeste hoje mostra-se moderno na política, na administração e na coordenação, e a ideia do consórcio é uma das coisas mais relevantes à região, junto da criação da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste)”, aponta.
Considerações finais
Para Roberto Amaral é necessário apostarmos na esperança. “Esse SUS que incomoda tanto à direita, foi uma conquista da campanha democrática, após 21 anos de resistência no pesadelo escuro da ditadura. Estamos em um momento difícil para a esquerda no mundo. O que ocorre aqui é reflexo de uma geopolítica internacional, mas precisamos acreditar em nossa capacidade de organização: sair das nossas bolhas, do nosso conforto e disputar ideologicamente as grandes massas. Essa pandemia não é interminável, e hoje temos recursos como esse de vídeo chamadas, por exemplo, para que circuitos de debates estejam acontecendo às centenas e milhares”. Amaral também lembra que esse é um momento que favorece aos intelectuais e cientistas a pensarem em soluções. “É necessário pensarmos em lutas sociais e revermos como foram nossas organizações, a fim de partirmos para um projeto comum não apenas de substituição do que está aí, mas do que iremos construir a partir daí”, concluiu.
Nas considerações finais, Ricardo Coutinho e Sérgio Machado Rezende lembraram que grandes empresas nacionais como a Embraer têm capacidade de produzir respiradores mecânicos para tratar pacientes acometidos pela Covid-19, e máscaras N-95 para salvar vidas. “Seria uma questão absolutamente trivial caso o governo tivesse uma visão clara do que fazer e se não estivesse em um processo de desmonte das nossas estatais”, registra Rezende.
O presidente da FJM questiona como um país com grande parque industrial e universitário como o Brasil não consegue fabricar máscaras e respiradores artificiais em regime de urgência. “Temos a necessidade de possuir uma indústria de defesa social estatal, que não dependa de humores de mercado, para que quando se necessite de algo tão simples como um respirador mecânico o país possa ser autossuficiente”, finaliza Coutinho.