Artigo: A desconstrução de mitos, por Tiago Ortaet
Por Tiago Ortaet*
Ideias cristalizadas não criam raízes, não germinam relações com outras ideias; elas se encrostam, se por um lado, podem no máximo, virar afronta de rede social, “memes” debochados de internet, amparados em um papel de rótulos e frases prontas, sem permitir aos seus interlocutores se quer a oportunidade de embate; por outro, podem virar devoção gratuita, obscurantismo contemporâneo e dogmas criados por uma legião.
Legiões também se desencantam ao constatarem o compasso da realidade; saem dessa bolha e se chocam pela inércia que os acometiam.
O conceito de mito só tem alguma serventia se for objeto de estudo em pesquisas culturais sobre o folclore, por sinal a pesquisa acadêmica segue sendo ameaçada; já a mitologia radical da política brasileira atual é um rótulo fadado ao fracasso.
No último dia 15 de Maio aconteceu um dia histórico na luta pela educação pública brasileira em resposta aos recentes e ostensivos ataques à ciência, à pesquisa, às universidades, aos cursos de humanidades, aos educadores e pasmem; agora também aos estudantes que foram considerados, em discurso público do presidente como “massa de manobra… idiotas úteis… imbecís” é difícil de acreditar, mas assim é a retórica do “líder” da nação diante dos legítimos protestos da sociedade.
Uma avalanche de cartazes expressavam o tom do manifesto popular, reflexo do período que vivemos. Dentre as inúmeras frases; destaco “Um país que persegue professores e artistas como pode dar certo?” “O brasileiro não precisa ser estudado, precisa ser estudante” “Sou educadora, pós-graduada, mestre, doutora, PHD, escritora de livros e mãe; então quem é o idiota da história?” “Eu me armo de livros e me livro de armas” “minha iniciação científica não é balbúrdia senhor presidente” “é tanta tristeza que não cabe em um cartaz” “sem educação já basta o presidente” “É greve por que o caso é grave”…
Os atores dessa manifestação são cidadãos em seu direito fundamental de manifesto, são trabalhadores exercendo seu direito constitucional de greve, são indignados que constroem um capítulo novo num gigante levante popular pela educação.
Em diversos outros governos aconteceram paralisações por motivos também graves, por negligências, ineficiências, mas o mérito principal desse ato em mais de 170 cidades em todas as regiões do país é para dar um basta no triunfo da ignorância; que teima em celebrar cortes na educação, que confunde o patrimônio intelectual do país com cores partidárias; seria tão claro entender que educação pública não tem partido político, mas tem consequências gravíssimas para o nosso presente e desastrosas para nosso futuro.
O que faz de nós homens e mulheres honrados perante os nossos pares, tendo como marca a seriedade naquilo que fazemos é a maneira como nos comportamos frente aos desafios; principalmente aos desafios, ninguém que tentou se estabelecer pelo viés da couraça alheia reinou por muito tempo. Aliás, por falar em reinado, algumas mentes possuem essa tarimba monárquica que pouco contribui com uma visão plural e coletiva, sejam nas relações pessoais, profissionais ou naquilo que estabelecemos como cerne de nossas vidas.
A educação deveria ser defendida por absolutamente todos os brasileiros; quem sabe um dia… Enquanto isso que nosso escambo moral seja assim; nós lhe damos ensino e luta por um mundo melhor, seja na sala de aula ou na rua e vocês nos dão bom senso.
*Educador, artista e ativista social; atualmente está professor universitário e diretor de cultura da cidade de Guarulhos