Publicado 23 de dezembro de 2024 16:39. última modificação 23 de dezembro de 2024 16:39.

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Entrevista: prefeito Vilmar Kalunga, conquistas, desafios e trajetória de um quilombola

O prefeito eleito e reeleito pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), pelo município de Cavalcante, no estado de Goiás, Vilmar Souza Costa, o Vilmar Kalunga, tirou um pouco de seu tempo agitado para atender a gente e falar sobre sua experiência como primeiro prefeito quilombola do município de Cavalcante. Uma façanha incrível, tendo em vista que ­­nos 189 anos desde sua criação, o município, cuja população é 80% quilombola, não tinha registro oficial de um quilombola prefeito. Outro paradigma quebrado pelo atual prefeito de Cavalcante, foi o da reeleição, que ele também inaugurou por lá. A entrevista originalmente concedida para a jornalista Luciana Capiberibe, da Web Rádio FM/JM, foi transcrita e transformada nesse texto, que reproduz aquele momento.

FJM – Prefeito, é sobre a sua trajetória, sua história, que a gente quer conversar. E trazer essa história para um público nosso, que é o público do PSB. O senhor é licenciado em Educação no Campo pela UnB. E tem pós-graduação em Ciências da Natureza e Matemática. Como é que isso influenciou e influencia na sua trajetória política?

Vilmar Kalunga – Então, eu sou, como você falou, sou graduado e tenho especialização formado em Ciências da Natureza e Matemática pela UnB. Pelo curso chamado LEDOC, Licenciatura e Educação do Campo. Esse curso, ele mudou a minha vida, mudou a vida de muitas pessoas porque ele trouxe a possibilidade, a oportunidade de a gente, não só aprender coisas novas, mas fortalecer e buscar lutar, defender os nossos direitos também. Aprendi a me posicionar mais ainda e  buscar o meu direito. Senti que eu também poderia ser um prefeito de Cavalcante, porquê não? Então, eu fui para a Licenciatura em Educação do Campo em 2008. E aí, eu formei, fiz a especialização. Sempre atuante nas nossas causas da comunidade.

Fui presidente da Associação Epotecampo (Associação de Educação do Campo do Território Kalunga e Comunidades Rurais), que é dos estudantes universitários. E depois, eu fui presidente da associação maior, que é a Associação AQK, Associação Quilombo Kalunga.

Fiquei presidente dela por um mandato e meio. Depois disso saí para me candidatar. E estou atuando hoje, graças a Deus, na luta com o meu povo aqui.

Prefeito, o senhor foi o primeiro prefeito quilombola de Cavalcante. Existe um movimento político dentro do movimento quilombola para participar da política eleitoral? Como é que isso funciona, prefeito?

Vilmar Kalunga – Então, Luciana, essa questão de movimento político, eu não vejo não. Não existe não. Para o meu conhecimento, não. Eu participo da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), mas não tem um movimento partidário. Que eu saiba, não. Eu, como prefeito, estou tentando fazer, na medida do possível, o que está ao meu alcance, orientando as pessoas para participar também da política partidária. E muitos políticos velhos, da “política velha”, eles só querem ver a gente lá embaixo, no máximo vereador. Mas eles não querem que a gente cresça. Então, Cavalcante quebrou esse paradigma. Porque Cavalcante é a primeira vez (que tem um prefeito quilombola). Se fala que teve um outro que era quilombola, mas isso aí é uma informação que não tem confirmação. Se era quilombola, se era Kalunga, a gente não sabe. A gente não tem uma comprovação. Assim, quem veio da roça, está dentro do movimento, é quilombola, é Kalunga, sou eu.

Eu ouço falar que tem hoje em torno de 11 prefeitos quilombolas no Brasil. A CONAQ está fazendo esse levantamento, mas a gente ainda não tem. Em 2020, eu fui o primeiro prefeito eleito, quilombola, Kalunga, aqui de Cavalcante.

O movimento político quem faz é a gente. Por que a gente faz? É igual eu falei no início. Eu, como vim do movimento, fiz formação na UnB, e vendo a gente naquela luta, os nossos professores nos instigaram a buscar mais, não só o conhecimento, mas lutar e também posicionar como uma liderança, como um representante. Por que não prefeito? Por que não vice-prefeito? E aí foi onde eu entrei.

A gente fez formação, fizemos todas as nossas articulações, nós fizemos muitos movimentos política social, e isso também serviu pra que as pessoas reconhecessem o nosso trabalho e confiassem na gente. Porque o nosso município de Cavalcante fez 193 anos de emancipação. Aí você pensa comigo, 193 anos de emancipação, 189 anos pra chegar a um prefeito Kalunga da roça, pra chegar e ter oportunidade de ser prefeito. Sendo que a população do município, 80% ou mais um pouquinho, é quilombola. Já pensou? Então, 20% que mandava na gente. Então, esse curso, essa formação, me ajudou e ajudou várias pessoas também, pra gente também levantar a cabeça e falar: eu quero ser prefeito, eu tenho competência, a gente quer representar o nosso povo.

Isso que aconteceu. Então, fui eleito e agora fui reeleito. Na minha cidade de Cavalcante é a primeira vez que tá tendo uma reeleição.

Então, em 193 anos de emancipação, é a primeira vez que tá tendo uma reeleição. Então, por que? Eu acredito que o trabalho da gente tá sendo bem feito. Estamos trabalhando para o povo, com o povo, uma gestão participativa e colaborativa, eu gosto muito de estar no corpo a corpo, na rua,  o meu gabinete não tem endereço fixo, não é só no gabinete, eu atendo em qualquer lugar.

E as coisas têm acontecido. Muitos projetos que estavam há anos na espera, mas não tinham chegado ainda, a gente conseguiu colocar pra funcionar, conseguiu trazer pra Cavalcante.

Hoje, o nosso secretariado dá  importância também pra mulher, não só ao negro, mas também à mulher. Se for levar em consideração os secretários e diretores, 70% da gestão é formado por mulheres. Eu acredito que é o único município no Estado que tem essa participação feminina, que a gente acredita muito.

E é dessa forma que a gente administra. É conseguindo o Instituto Federal, que para Goiás vieram dois, um deles foi pra Cavalcante. Pra gente é uma conquista enorme, porque vai dar a possibilidade ao homem do campo, às pessoas que têm dificuldade de sair pra estudar, fazer um curso superior, fazer um curso técnico também.

Quando vai pra questão da cidade, nós fizemos aqui, pavimentação. Acho que o que nós fizemos em quatro anos não foi feito em 20 anos. Então, foram mais de R$ 5 milhões investidos pra melhoria da nossa cidade. Então, a gente tá trabalhando dessa forma.

Praticamente só ficou uma escola que não foi reformada. Das 20 e poucas escolas, todas foram reformadas, umas ampliadas, todas as escolas têm freezer, tem geladeira, tem internet. Então, assim, a gente tá buscando melhoria da nossa cidade.

Então, é dessa forma que eu, prefeito Vilmar Kalunga, pelo PSB, busco trazer pras pessoas uma política diferente, uma política onde o prefeito não é o Deus lá, que tá lá longe. Nós somos iguais, nós somos funcionários, nós tratamos as pessoas como iguais. Então, é dessa forma que eu trabalho, Luciana.

Luciana – Que bom! Prefeito, a gente é testemunha aqui, que você tá sempre próximo da população, que a gente tinha uma entrevista, a nossa entrevista tava marcada pra quarta-feira passada e o senhor tava na Copa Quilombola. E aí, a gente ficou curioso pra saber aqui o que que acontece nessa Copa. O senhor pode explicar pra gente?

Vilmar Kalunga -Vou falar sim, é um prazer, demais! Sou muito feliz. Na verdade, a Copa Quilombola surgiu em 2022 no estado de Goiás, nós tivemos a terceira edição esse ano. Então, já foram três edições da Copa Quilombola, que envolve os quilombos do estado de Goiás todo. E aí, o governo federal viu essa movimentação muito bonita, a participação, e criou também uma copa nacional. Nessas três edições que teve no Goiás, graças a Deus, não desmerecendo os outros quilombos, todos participaram, mas nós fomos campeões.

E agora, teve a nacional. Muito boa essa Copa Quilombola nacional, quero parabenizar o governo federal por toda a organização. Houve dificuldade, mas isso é normal, isso a gente sabe: quando sai de casa, tudo tem dificuldade, foram 18 estados envolvidos, então foram quase oitocentas pessoas, nesse mesmo tempo, nesse mesmo movimento, feminino, masculino. Aconteceu no Rio de Janeiro, e teve a final no campo do Fluminense, onde a gente foi campeão.

A Copa Quilombola é importante, não só pela questão do jogo, mas pela questão de interação, a questão de a gente estar em contato com o nosso povo, e encurtar esses caminhos. Eu como prefeito, único prefeito presente no evento, você não imagina o carinho de todos os quilombos comigo, e eu tive o maior prazer de estar conversando com cada um. Orientando também, falando de política partidária, eu levei para eles a importância da união, a importância, porque muitas das vezes, dentro de um quilombo, tem dois, três, quatro, cinco, seis lideranças; outras vezes, quando vai no processo político, sai cinco, seis candidatos, nunca elege um candidato da comunidade. Eu estive falando para eles a importância de ter essa união, de estar dentro de um partido também que tenha a ver com a sua luta, porque isso é importante, não é qualquer partido.

Então, assim foram esses dias todos lá: fomos campeões, estamos ansiosos  para receber os nossos atletas com uma carreata. É importante o esporte, o esporte rompe barreiras, o esporte é saúde, o esporte é educação, e eu como prefeito tenho investido, graças a Deus aqui na minha cidade, o povo tem falado bastante que o esporte da gente tem melhorado muito mesmo, e a gente vai fazer com que isso seja uma das coisas que tragam oportunidade para o nosso jovem, de sair do celular, de sair de outros mundos e praticar esporte também, então isso é o que a gente vem fazendo aqui no nosso município.

Prefeito, eu queria fazer uma pergunta sobre essa questão partidária, por que o senhor se filiou, escolheu o Partido Socialista Brasileiro para militar e para fazer política partidária? O senhor já falou aí das suas obras, aquilo que levou à sua reeleição, que foi muita coisa que o senhor fez aí, inclusive oportunizar a educação para os jovens, da mesma forma como a educação mudou a sua vida vai mudar a desses jovens aí também. Eu queria saber também o que o senhor considera como os maiores desafios da sua gestão e os projetos para os próximos quatro anos que começam a partir do ano que vem.

Vilmar Kalunga – Eu fui pesquisar, eu fui atrás de um partido em 2011, eu fui pesquisar a história de cada partido. Aí  eu gostei muito do partido, por causa da história do partido, do João Mangabeira, aquela coisa toda, né? Já vinha o processo de luta aí, na faculdade Miguel Arraes, eu falei, esse partido tem a ver com a gente, e graças a Deus, dei sorte, porque realmente o partido tem a ver com a nossa luta. Como prefeito eleito gostaria muito de estar levando também ao partido, até eu dei ideia para o deputado, para o Elias Vaz, para a gente crescer mais o partido regionalmente, que a gente é muito conhecido aqui, nas cidades vizinhas, porque é um partido que tem tudo a ver com a nossa luta, tem a ver com a luta da mulher, tem a ver com a luta do negro, tem a ver com toda essa história que, para a gente, é importante, não que os outros não tenham também, mas eu falo, no meu caso, hoje eu estou sentindo bem no partido, mas a gente precisa também estar pegando a minha história, a minha luta, para estar trazendo mais pessoas também para o movimento, né? Estou feliz no PSB, é um partido que tem tudo a ver com a nossa luta, com a nossa militância.

Luciana – Tá certo. E quais são as lutas, assim, que o senhor acha que são os principais desafios para os próximos quatro anos? Como é que o senhor vê aí esse novo mandato?

Ué, a gente tem que buscar mais resultado. Então, muitas coisas que a gente, vamos supor, que não avançou no primeiro, nesse novo mandato, a gente tem que avançar. Dando oportunidade para as pessoas que realmente têm responsabilidade e compromisso com as pessoas, né? Isso eu falo dentro de tudo, secretário, a gente tem, sim, buscado e vamos buscar cada vez mais resultado, mais rapidez, né? Sistematizar todos esses projetos e passar para a comunidade também e o desafio nosso aqui também é essa questão da união. Eu sinto que Cavalcante é um município que ainda tem pessoas que não reconhecem a gente por causa de preconceito mesmo, de racismo mesmo, e as pessoas, que não são todos, mas tem algumas pessoas que perseguem a gente por causa da política, e mostrar para essas pessoas que o preto e o branco são iguais, mas que nós negros também temos condições de fazer uma gestão bacana, com resultados, como nós estamos trazendo resultados, e buscar um Cavalcante para todos. Buscar cada vez mais melhorar a nossa saúde, principalmente na zona rural, a questão da infraestrutura, que nós somos o sétimo maior município em questão de área territorial, e para você ter conhecimento, o nosso é o único município do Brasil que só tem 11 quilômetros de estrada pavimentada, nós temos 3 mil quilômetros de estrada de chão, então dificulta muito. Graças a Deus nós temos uma área muito preservada, muito preservada mesmo, a questão da preservação nossa dos municípios, ela é grande porque se você for ver no mapa do Brasil, é uma das áreas mais preservadas que tem, principalmente do Centro-Oeste, isso pra gente é importante, porque tem muita água, tem as cachoeiras, então assim, mas a gente precisa desse local preservado, não só pra nós Cavalcantenses, não só pra nós kalungueiros, mas pro Brasil também, e aí vem as dificuldades também, que nós temos muitos rios, nós temos necessidade de muitas pontes, nós precisamos de investimentos, o que eu tenho levado a demanda pro Governo Federal, pro Governo do Estado, é a questão das pessoas que moram na zona rural.

Hoje,  quase metade da nossa população vive na zona rural, e, se vive na zona rural em um período chuvoso, muitas pessoas ainda ficam isoladas, aqui nessa gestão hoje nós já fizemos 5 pontes, mas ainda é pouco. E reforma? Nós fizemos várias, mas nós só fizemos de 5, então é pouco ainda, nós temos uma demanda de 38 pontes, então estamos correndo atrás pra solucionar esse problema, então a dificuldade que nós temos, e o desafio que nós vamos enfrentar, é fazer com que a gente consiga avançar na questão da infraestrutura, não só da zona rural, mas da cidade também, como eu falei, a zona rural, nossa, hoje tem muitas pessoas, nós tem comunidade, tem duas mil pessoas morando, igual vão do moleque, então se ficam isoladas aí você imagina o transtorno que dá, e na cidade também a gente tá trabalhando, investindo na melhoria das ruas, investindo em galerias para o viagem, fazendo rua com bloquete também, porque a nossa cidade tem ladeiro, quando chove, é aquele aguacete na rua, foi a primeira vez que em Caldo Alcântara,na gestão, que foi feito pavimentação assalto com galerias para o viagem, nunca tinha sido feito antes, nós estamos investindo nisso também, porque quando chove tem algumas ruas que falta pouco carregar gente, muita água, então o que a gente tá buscando é isso, é trazer mais resultados positivos para a comunidade, melhorar a limpeza na nossa cidade cada vez mais, na conscientização das pessoas também, porque hoje não basta só você fazer o serviço, mas se as pessoas não estiverem conscientes, a gente não consegue manter a nossa cidade limpa, e buscar resultado na saúde e educação, é o desafio nosso esse ano, buscar emendas, parlamentar, então o que a gente tem batido bastante, pedindo ajuda dos parlamentares, graças a Deus tem muitos parlamentares que tem ajudado, mas nós estamos precisando bastante, sabe?

Gostaria de trazer também aqui um acontecimento muito importante para o município, que eu tava me esquecendo, que é a REUB, a regulação fundiária do município, só pra você ter ideia, ninguém conseguiu fazer até hoje, a gente hoje já entregou aí quase 500 títulos já, hoje a gente é referência na região aqui Nordeste Goiânia, a questão de regularização. Cavalcante tá fazendo, entregando título, entregando escritura, para os moradores da cidade, então pra gente também é uma conquista ver as pessoas felizes, de ver que o seu pedaço de terra ali, sua casa tá em seu nome, é seu, você pode fazer o que você quiser, então isso também pra mim é um motivo de alegria, de muitos tentarem e não conseguiu, e a gente tá entregando essa conquista pro nosso povo.

Luciana – Muito obrigada prefeito, parabéns aí pela sua luta, pela sua gestão, que é aprovada pela população, tanto é que o senhor foi reeleito pra mais quatro anos de mandato. É um grande prazer receber você e espero que você sempre esteja por aqui conosco.

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