O papel dos sindicatos na 4ª Revolução Industrial – Por Alexandre Navarro*
Reproduzido de https://sindct.org.br/comunicacao/jornal/111
Vice-presidente da Fundação João Mangabeira defende que a 4ª Revolução Industrial deve ser empoderadora e centrada no ser humano
Poderia ser pensada e discutida, a fusão de sindicatos, ação que diminuiria os custos administrativos e elevaria o número de representados, ampliando o vínculo de locais de trabalho, assim como estimulando a participação de outras formas de representação interna.
Expressões como internet das coisas (Internet of Things – IoT), conceito que conecta toda atividade diária da vida humana à web; robôs autônomos – máquinas que realizam trabalhos sem qualquer supervisão; computação em nuvem – software que associa análise corporativa e analítica das empresas; e big data e data analytics – algoritmos que organizam e avaliam enormes quantidades de dados estão cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas, redefinindo como elas vivem, trabalham e se relacionam com a natureza.
Aplicações empresariais como simulação – combinações que testam e otimizam os dispositivos tecnológicos antes que as alterações sejam aplicadas; manufatura aditiva – recursos tecnológicos para produção de estruturas para construção civil e sistema de saúde humano, como estruturas montadas por 3D a partir de designs complexos ou mais simples; e cibersegurança – tecnologia responsável pela segurança digital contra ataques e manipulações ilícitas tornaram-se comuns no mundo produtivo.
Serviços digitais como 5G e realidade ampliada – rede sem fios capaz de baixar arquivos 82 vezes mais rapidamente que o sistema 4G, conectar operações, juntar TI com o chão de fábrica (Tecnologia Operacional – TO) e projetar realidades aumentadas em qualquer lugar; sistemas de execução de manufaturas (Manufacturing Execution Systems – MES) que gerenciam e conectam atividades de produção, vinculando-as ao planejamento e à TO; Integração Horizontal e Vertical de Sistemas – transmissão de dados para nuvem, que integra o funcionamento da empresa ao ambiente externo colaborativo; e máquinas que aprendem (Machine Learning) – equipamentos treinados para fazer manipulações de algoritmos, coletar dados e propor alguma coisa que interessa às pessoas passaram a compor um novo mundo em transformação, voltado a atender qualquer necessidade humana, física ou metafísica, de forma onisciente e onipresente (“suprema”).
Esta é a 4ª Revolução Industrial, ou Indústria 4.0, denominação que nasceu na Alemanha, a partir de parcerias entre estado, iniciativa privada e centros de pesquisa para oferecer alta tecnologia de forma estratégica, tornando, de um lado, processos produtivos e fatores de produção independentes do trabalho humano e, de outro, oferecendo mais tempo e qualidade de vida à população alemã.
Por sua vez, o mundo do trabalho brasileiro, suas relações contratuais e seus representantes, organizados ou vinculados politicamente, estão vagando nesta revolução, sem respostas, claras ao menos, para si e para seus representados nesta curiosa “fábrica inteligente”.
Veja a Medida Provisória nº 936/20, que estabeleceu a possibilidade da redução proporcional da jornada de trabalho e de salários, além da suspensão temporária do contrato de serviços, com a contrapartida temporária vinculada a um benefício para preservação do emprego e da renda, espécie normativa que recebeu mil emendas no Congresso, algumas muito boas, mas que não responderam à realidade contratual provocada pela crise sanitária.
O Congresso nem mesmo conseguiu acompanhar o voto do ministro Lewandowski (STF), que pedia a escuta dos representantes sindicais sobre tal reorganização contratual e sobrestamento de direitos, inobstante ter sugerido este, na forma da emergência processual exigida, um rito fast track, sem muita elucubração por parte dos trabalhadores e seus sindicatos. Situações inconclusas que, embora já existentes no mundo do trabalho, foram ampliadas pela pandemia, como o teletrabalho (home office) regulamentado pela lei nº 13.467/17, pedirão respostas tão logo a crise sanitária se dissipe, aqui e acolá, numa realidade mundial que elimina trabalhadores manuais (blue collars workers) e aumenta aceleradamente o número de trabalhadores qualificados (white collars), a par dos resultados e processos exigidos pela Indústria 4.0.
Indústria imaterial que agregou aos antigos fatores de produção do século passado: natureza (terras cultiváveis, florestas e minas), trabalho (de homens e mulheres, com predominância histórica, domínica e errática dos primeiros) e capital (máquinas, equipamentos, instalações e matérias-primas) outros dois fatores de produção: organização empresarial e tecnologia da informação (ciência traduzida como pesquisa e desenvolvimento tecnológico).
Um dos novos fatores de produção, a TI, se de um lado aumenta a produtividade, de outro provoca desemprego tecnológico ou estrutural, fenômeno que ocorre em tempos de mudanças na tecnologia de produção (exemplo – brusco – da Indústria 4.0) ou nos padrões de demanda dos consumidores.
Num e noutro caso, um grande número de trabalhadores fica desempregado no curto prazo e a recolocação em algum tipo de profissão ou é impossível, ou se dá em situação inferior à anteriormente executada, notadamente na economia informal.
Diferentemente, a minoria especializada, os colarinhos brancos (white collars) – nada a ver com políticos ou dirigentes de estatais e empresas corruptos – é beneficiada pela valorização especializada de sua mão-de-obra.
Neste mundo novo cabe uma pergunta a todas e todos: o ganho de produtividade advindo da Indústria 4.0, representado por todas as tecnologias que desmaterializam as atividades humanas e geram novos produtos e processos, muito mais eficazes e menos custosos, sem a necessidade da presença humana – inovação realizada em todas as direções, como falava Schumpeter – será repassado à renda dos trabalhadores e à carga laboral dos consumidores, conforme modelo projetado na Alemanha, trazendo resultado que diminua seu dispêndio laboral diário, de 8 para 4 horas, ou mesmo para 2 e resultará na ampliação de seu tempo destinado a atividades lúdicas: à “diversão e ao balé, à caça pela manhã, à pesca à tarde e às boas refeições e críticas sociais à noite”?
Talvez a resposta para esta pergunta possa ser dada por trabalhadores, sindicatos, representantes políticos e sociedade, discutindo – e podendo até aceitar e defender – novas formas de organização sindical e contratual, frente a este novo mundo impermeável, formas essas que permitam ampliar a esfera de representação e incorporar outros tipos de trabalhadores, como temporários, em tempo parcial (part time, cerca de 40% da força de trabalho do Reino Unido) e segmentos tradicionalmente excluídos da ação coletiva, como mulheres, jovens, negros e pardos, LGBTs, indígenas e trabalhadores migrantes, geralmente estrangeiros.
Poderia ser pensada e discutida, olhando um novo mundo e os problemas advindos da perda de representatividade e do desemprego estrutural, a fusão de sindicatos, ação que diminuiria os custos administrativos e elevaria o número de representados, ampliando o vínculo de locais de trabalho, valorizando comitês de empresas, de delegados sindicais, assim como estimulando a participação de outras formas de representação interna.
Nesta discussão e audiência coletiva, espera-se propor uma organização sindical por ocupação geográfica, regional e por associação, num modelo de diferentes empregadores e empregados (multiemployer).
Como experiência, poder-se-ia criar, ou ampliar, “Centros de Trabalho”, espaços vinculados às organizações sindicais que ofereçam todo tipo de assistência aos trabalhadores, trabalhadoras e incorporados, como formação, abrigo, acolhimento maternal, regularização social, inserção e pertencimento identitário e social, modelos estes de relação e trabalho sindical já experimentado em cidades estadunidenses como Nova Iorque, São Francisco, Los Angeles e Filadélfia, semelhantemente a outras entidades e associações não vinculadas à representatividade profissional.
Substituirão, a par destas experiências, num trabalho voltado à solução material das necessidades mais imediatas dos filiados e minorias incorporadas, sob a ótica comunitária e protetiva, a ideia das sweatshops, demonstração de trabalho inumano que nunca será notado pela organização ou por suas chefias imediatas, dispêndio de energia e relação representativa inútil nestes novos tempos de produção imaterial.
Quiçá possam, sindicatos e trabalhadores, de forma menos fragmentada e mais racional, com a ajuda de redes sociais, dialogar com empregadores, para encontrar um meio de ação mais protetivo e contratualmente seguro, permitindo que todos usufruam desta nova forma de produzir e consumir, com igualdades de direitos e oportunidades, democraticamente.
Talvez, assim, possam contribuir para “moldar a 4ª Revolução Industrial e garantir que ela seja empoderadora e centrada no ser humano, em vez de divisionista e desumana”. (Klaus Schwab, diretor e fundador do Fórum Econômico Mundial. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016).
*Por Alexandre Navarro
Vice-presidente da Fundação João Mangabeira e membro da Câmara de Mediação e Arbitragem da FGV, foi membro do Comitê de Peritos em Administração Pública das Nações Unidas – CEPA/UNDESA, secretário nacional e chefe de gabinete do ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, vice-ministro e ministro interino de Integração Nacional, presidente da Terracap e da BRB Serviços