Pessoas Trans no Brasil e a História na Validação de Sua Identidade
Por Tathiane Aquino de Araújo*
Resumo
Este artigo aborda a trajetória de luta das pessoas trans no Brasil pelo reconhecimento de sua identidade de gênero e a validação de seu nome. Através de marcos jurídicos e decisões históricas, como as do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foram conquistados avanços importantes para a população trans, especialmente no que diz respeito à alteração de documentos oficiais. A análise também reflete sobre as barreiras ainda existentes, como as exigências de documentos e a exclusão social, e a importância do nome como validação da identidade e cidadania.
- Introdução
Nos últimos anos, houve grandes avanços no Brasil no reconhecimento da identidade de gênero das pessoas trans, especialmente com a mudança das regras sobre a alteração de nome e gênero nos documentos de identidade. Antes da histórica decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018, as pessoas trans enfrentavam um processo longo, burocrático e muitas vezes humilhante para alterar seu registro civil. Hoje, é possível solicitar a mudança de nome e gênero sem a necessidade de ação judicial ou de realização de cirurgias, um marco importante na luta por direitos e pela cidadania da população trans. - O Reconhecimento Legal da Identidade de Gênero
Em 2018, o STF decidiu que pessoas trans poderiam alterar seu nome e gênero em documentos oficiais diretamente no cartório, sem a exigência de laudos médicos ou procedimentos cirúrgicos. Essa decisão histórica, que permitiu a adequação da certidão de nascimento ou casamento à identidade de gênero autopercebida, foi uma vitória significativa para os direitos da população trans no Brasil.
Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de pessoas que conseguiram retificar seus documentos cresceu substancialmente após essa mudança. De 1.129 retificações em 2017, o número saltou para 4.156 em 2023, representando um aumento de mais de 260%. Antes de 2018, a mudança de nome e gênero estava vinculada à realização de cirurgias e à apresentação de laudos médicos, o que impunha à população trans um processo repleto de constrangimentos e discriminação. A nova regulamentação, ao retirar essas exigências, contribuiu para a diminuição dessas barreiras.
- A Luta pelo Nome Social: Passado e Presente
A luta pela validação da identidade trans no Brasil começou formalmente em 1996, com a reivindicação pelo uso do nome social. No início, o nome social era visto apenas como um nome de guerra ou apelido, uma forma desumanizante de identificação que refletia a resistência ao machismo e à transfobia predominantes na sociedade.
Indianara Siqueira, uma das pioneiras da militância trans, foi uma das grandes responsáveis por trazer a discussão sobre o nome social à tona, principalmente no Estado de São Paulo, em sua cidade natal, Santos. Apenas em 2007, durante o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a saúde pública passou a reconhecer o direito ao uso do nome social, incluindo a alteração no Cartão Nacional de Saúde (SUS). Em 2009, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) emitiu uma das primeiras decisões favoráveis à modificação do registro civil de pessoas trans, abrindo caminho para um maior reconhecimento jurídico.
- A Validação no Âmbito da Educação
No âmbito educacional, uma importante conquista ocorreu em 2018, quando o Ministério da Educação (MEC) homologou uma resolução que regulamenta o uso do nome social em documentos oficiais da educação básica. A portaria 33/2018, aprovada em 2017, entrou em vigor após a determinação do MEC e garantiu que estudantes trans com mais de 18 anos possam solicitar diretamente às instituições de ensino a alteração de seu nome e gênero nos documentos acadêmicos. Para estudantes menores de idade, o direito pode ser solicitado por um responsável legal. Esta mudança representou um avanço na inclusão das pessoas trans no ambiente escolar e no reconhecimento de sua identidade. - Projetos de Lei e Iniciativas Legislativas
O reconhecimento da identidade de gênero das pessoas trans também tem sido discutido no Congresso Nacional a mais de duas décadas sem avanços significativos. O Projeto de Lei (PL) 2.745/2019, apresentado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, visa alterar o Código Civil e a Lei 6.015/1973 para assegurar o direito de alteração do prenome e do sexo nos documentos de identificação. Outra proposta, o PL 3.367/2020, busca isentar pessoas transgênero, travestis, intersexuais ou não binárias de taxas para a retificação de nome e gênero, uma medida de grande relevância, uma vez que os custos para realizar tais alterações ainda são um obstáculo para muitas pessoas da comunidade trans. - Barreiras Legais e Administrativas
Apesar dos avanços, ainda existem barreiras significativas para a população trans no Brasil, especialmente no que se refere à exigência de documentos e certidões para realizar a alteração do nome e gênero. De acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), as pessoas trans precisam apresentar até 17 documentos em cartórios brasileiros, o que pode ser um processo extremamente oneroso e burocrático. Nesse sentido, as Defensorias Públicas têm desempenhado um papel fundamental ao garantir a gratuidade da retificação para pessoas trans, facilitando o acesso a esses direitos. - O Impacto Psicológico da Não Validação da Identidade**
A validação da identidade de gênero por meio do nome é fundamental para garantir a cidadania das pessoas trans. O uso dos “nomes mortos”, aqueles registrados no nascimento e que não correspondem à identidade de gênero vivida pela pessoa, contribui para a marginalização, estigmatização e exclusão social. O não reconhecimento da identidade de gênero afeta diretamente a saúde mental das pessoas trans, gerando sentimentos de vergonha, depressão e ansiedade. O nome por outro lado, é uma forma de validação política e pessoal, permitindo que o indivíduo seja reconhecido como ele realmente é. - Conclusão
Embora o Brasil tenha avançado em muitos aspectos no reconhecimento da identidade de gênero das pessoas trans, ainda há muitos desafios a serem enfrentados. A luta pelo direito ao nome e à identidade continua a ser uma questão central para a comunidade trans, e é fundamental que as políticas públicas e legislações acompanhem as mudanças sociais e jurídicas necessárias para garantir a plena cidadania dessas pessoas. A validação da identidade de gênero não é apenas uma questão de direitos civis, mas de respeito à dignidade humana e à liberdade de ser quem se é.
*Graduada em Gestão Pública pela Faculdade Anhanguera
*Secretária Nacional do Segmento LGBTSocialista – PSB